O sorriso gratuito.
A gentileza.
Roberta - Bom dia.
Atendente - Bom dia.
Roberta - Me vê um café com leite, por favor.
Atendente - Sim senhora.
Roberta - E um pastel folhado. Tem de quê?
Atendente - Frango com catupiry, presunto e queijo…
Roberta - Presunto e queijo.
Atendente - É pra já.
Roberta - Aceita vale?
Atendente - Não…
Roberta - Cartão?
Atendente - Sim senhora.
Roberta - Posso esperar na mesa? - aponta uma mesa.
Atendente - Sim senhora, eu levo para a senhora.
Roberta, sentando - Grata.
Enquanto o atendente vai buscar o café com leite, Roberta estica o percoço para observar o acampamento na frente do tribunal.
Atendente - Aqui está o pedido da senhora.
Roberta - Grata. Está adoçado?
Atendente - Não senhora, mas temos sachês nas mesas…
O atendente olha e percebe que não tem sachês na mesa de Roberta.
Atendente - Perdão, já volto.
Roberta - Nada.
Atendente - Aqui está: açúcar e adoçante. Trouxe também os guardanapos. Desculpe qualquer coisa, senhora...
Roberta - Imagina! E não me chame de senhora, estou muito nova para isso - ri.
Atendente - Ah, sim senhora.
Roberta - Mas!
Atendente - Desculpa, moça!
Roberta - Bem melhor.
Atendente - Mais alguma coisa?
Roberta - Tem jornal?
Atendente - Tem sim senh… moça.
Roberta, rindo - Traz pra mim, querido?
Atendente - Aqui está.
Roberta - É de hoje?
Atendente - É sim.
Pequena pausa para Roberta ler a capa do jornal.
Roberta - Vocês não têm medo de abrir, com essa invasão aqui do lado?
Atendente - Ocupação.
Roberta - Isso!
Atendente - Na realidade, é um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra.
Roberta - Ah, sim. Está aqui no jornal. É capa. O que será que eles querem?
Atendente - Terra pra plantar, pra morar...
Roberta - Engraçado.
Atendente - Por quê?
Roberta - Tanta terra ociosa nesse país e o povo vem na cidade invadir.
Atendente - Ocupar.
Roberta - Pois é.
Atendente - Eu também acho.
Roberta - E vocês não têm medo?
Atendente - Hã?
Roberta - De abrir.
Atendente - Não, senhora.
Roberta - Mas estão fechando mais cedo, não é?
Atendente - Sim.
Roberta - Sabia. Nunca se sabe que tipo de gente está aí nessa multidão.
Atendente - É verdade.
Roberta - Desculpa, estou te incomodando.
Atendente - Nada.
Roberta - É que eu não entendo, sabe. Eles ficam tanto tempo acampados aí, eles vivem de quê?
Atendente - Pois é.
Roberta - Você é estudante?
Atendente - Sou sim.
Roberta - E já tem o seu emprego, muito responsável.
Atendente - Tem necessidade.
Roberta - Se meus filhos tivessem esse tipo de obrigação, aprenderiam a valorizar mais as coisas que tem.
Atendente - Com certeza.
Roberta - Esses Sem-Terra…
Atendente - O quê?
Roberta - Povo batalhador.
Atendente - A senhora acha?
Roberta - Sim. Estão aí protestando, lutando pelos seus direitos. Está aqui no jornal: querem que o governo tome uma atitude… Mas não tem jeito.
Atendente - Por quê?
Roberta - Nesse mundo, meu filho, tem muita desigualdade.
Atendente - Sim.
Roberta - Não tem jeito.
Atendente - Talvez não…
Roberta - Só protestar não adianta. Mas invadir também já é demais!
Atendente - Ocupar.
Roberta - É, ocupar…
Eduardo - Bom dia!
Atendente - Bom dia, senhor.
Eduardo - Um cappuccino.
Atendente - Somente?
Eduardo - Só.
Atendente - Fique à vontade, senhor, eu levo na mesa.
Eduardo - Ok, posso sentar aqui?
Roberta - Claro! Bom dia.
Eduardo - Bom dia. Você trabalha no tribunal?
Roberta - Sim, no protocolo.
Eduardo - Bem que me era familiar. Prazer, Eduardo.
Roberta - Advogado?
Eduardo - Assessor.
Roberta - Tão novo! Prazer, Roberta.
Atendente - Seu cappuccino.
Eduardo - Ótimo. E os Sem-Terra, saem ou não saem?
Roberta - Diz o jornal que eles vão ficar até a revogação da liminar.
Eduardo - Nem que fiquem cem anos.
Roberta - Por quê?
Eduardo - As terras que eles invadiram são de um primo do desembargador Mauricélio. Família de políticos, uma máfia só...
Roberta (sem perceber) - Ocuparam.
Eduardo - Como?
Roberta - É assim que se fala, não é?
Eduardo - Não sei… Qual a diferença?
Atendente - É que ocupar é um exercício legítimo de direito, e invadir é uma violação de direitos.
Eduardo - Entendi. Mas o jornal diz que é invasão. De toda forma não vai dar em nada.
Roberta - Terrível.
Eduardo - Mas logo, logo a polícia tira eles daí. O mandado já está sendo expedido.
Roberta - Mas tá cheio de criança aí. Gente idosa…
Eduardo - A polícia não quer nem saber e o juiz não quer nem ver. Ele dá o canetaço e a coisa acontece. Eu não concordo com o que esses sem terra estão fazendo, mas também não acho que seja pra tanto…
Pausa.
Roberta - Já vou indo.
Eduardo - Eu vou com você.
Roberta - Tá. Tchau, menino!
Atendente - Tchau, moça.
Oito horas se passam. Alexandre tira o uniforme e fecha o Café, pois o dono tem mandado fechar mais cedo. Checa os cadeados, pega a mochila, põe o boné vermelho e volta para o acampamento.
*
Esse texto eu escrevi faz um tempo, na forma de um diálogo, e agora estou querendo transformá-lo numa esquete de teatro. Fiz várias alterações, mas ainda sinto que algo está faltando. Não sei se ele serve para o teatro, mas é uma tentativa.