sexta-feira, 25 de março de 2016

Palavras

Conheci o pai de todas as palavras.


Ele me abraçou e chorou no meu ombro,
Decepcionado.


Consolei-o, dizendo:
Pai é pai e filho é filho.


Ele respondeu que não:
Pai é filho e filho é pai.


Então eu compreendi
E comecei a chorar também.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Bustamante

Não sou político
Ou politizado.

Sou militante da não-militância.

Eu faço a minha parte
Achando graça
E vendendo a minha arte
Na praça.


*


Esse poema eu escrevi querendo falar sobre mim. A maioria das poesias são assim, eu acho, pra todo mundo. A gente conta a nossa história em versos. Para a minha surpresa, quando o poema estava pronto - se é que já esteve ou estará, algum dia - eu vi que falava de outra pessoa. Essa pessoa é o meu amigo Felipe Bustamante, companheiro de palco, escritor e poeta.

domingo, 24 de janeiro de 2016

Distância

Quanto menos te vejo,
Mais te desejo.

Por exemplo: se eu fico uma semana
Sem te encontrar,
Começo a pensar que estou apaixonado.

Se passam dois meses
E eu não te vejo...
Te espero com um beijo
E um anel de noivado.
*


Esse é recente. Saiu do forno, direto para o projeto Clareira, em que vou plagiar a insistência do meu amigo Felipe Bustamente em fazer poesia artesanal, nesse mundo tão industrial. Espero que gostem, lembrando que estou sempre aberto a observações de qualquer natureza.

domingo, 17 de janeiro de 2016

Vírgula e Ponto

Ai ai, saudade...
Vírgula
Que preenche o vazio
Entre um encontro
E outro.

O coração nunca para
De bater ou de sentir.

Mas então se a saudade
É assim tão
Natural,

Por que é que
Dói tanto?


É pelo medo que eu tenho
De deixar de ser
Vírgula
E transformar-se em
Ponto.


*

Esse é antigo. Deve ter alguns anos, mas eu resgatei e dei uma polida. Aí está. Estou começando esse trabalho de reler os poemas antigos e avaliar se servem ou não para um projeto que tenho. Não é tão fácil assim. Ler poemas antigos é estabelecer uma comunicação entre os diferentes tempos a que eu pertenço. Nem sempre eles se entendem, então eu preciso mediar. Respeitar o que antes me parecia genial e hoje me parece banal. Mais que respeitar, encontrar sentido nessa diferença de sentido e me conhecer um pouco mais. O Aldous Huxley escreveu, no prefácio de uma das edições do livro Admirável Mundo Novo, que ao revisar o livro muito tempo depois de tê-lo escrito, ele não pensava mais da mesma forma e sentia muita vontade de mudar tudo. Acabou não mudando porque o livro foi escrito em uma época da sua vida e era àquela época que a história pertencia. Não sei se terei a mesma maturidade, mas espero ao menos ser razoável e sensível nessas revisões que estou fazendo.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Pequenas Coisas

Das coisas que eu observei, enquanto
Ansiava por me declararem pronto
Para extrair razão dessa existência ilógica,
A que mais me atraiu, revelarei: a mágica;
Foi a mais pequena, só por pequena ser.

As grandes e colossais, ao ver,
Senti o açoite provocador da febre,
Saindo a correr, a saltitar: alegre;
Maravilhado por sua gran ciência.

Já as miudezas, coisas sem importância,
Pertencem ao tempo da ternura:
São poesias, obras in natura;
Manifestações do imanifesto;
Amostras do essencial, de resto,
É tudo muito importante…

E eu prefiro, à rocha mais brilhante,
Seguir a trilha que há por entre as rosas
Acompanhado apenas pelas pequenas coisas. * Voltei a escrever poesia. Isso é um sinal de que as coisas estão se movimentando. Essa aí veio durante uma aula na faculdade de direito. O mérito não é da aula, é claro, que foi estéril como são a maioria das aulas naquele lugar. O mérito é total da distração. Da fuga para algo que faça sentido enquanto o que acontece bem à minha frente não faz sentido nenhum. A melhor fuga é a fuga pra poesia. Gostei de fugir pra lá, e ainda voltei com esse presente! Não está lapidado, ainda falta, mas o objetivo desse blog é publicar mesmo os meus rascunhos, é cultivar essa coragem. A versão final virá mais adiante, quem sabe?

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Bom Dia


O sorriso gratuito.

A gentileza.


Roberta - Bom dia.

Atendente - Bom dia.

Roberta - Me vê um café com leite, por favor.

Atendente - Sim senhora.

Roberta - E um pastel folhado. Tem de quê?

Atendente - Frango com catupiry, presunto e queijo…

Roberta - Presunto e queijo.

Atendente - É pra já.

Roberta - Aceita vale?

Atendente - Não…

Roberta - Cartão?

Atendente - Sim senhora.
Roberta -  Posso esperar na mesa? - aponta uma mesa.

Atendente - Sim senhora, eu levo para a senhora.

Roberta, sentando - Grata.


Enquanto o atendente vai buscar o café com leite, Roberta estica o percoço para observar o acampamento na frente do tribunal.

Atendente - Aqui está o pedido da senhora.

Roberta - Grata. Está adoçado?

Atendente - Não senhora, mas temos sachês nas mesas…

O atendente olha e percebe que não tem sachês na mesa de Roberta.

Atendente - Perdão, já volto.

Roberta - Nada.

Atendente - Aqui está: açúcar e adoçante. Trouxe também os guardanapos. Desculpe qualquer coisa, senhora...

Roberta - Imagina! E não me chame de senhora, estou muito nova para isso - ri.

Atendente - Ah, sim senhora.

Roberta - Mas!

Atendente - Desculpa, moça!

Roberta - Bem melhor.

Atendente - Mais alguma coisa?

Roberta - Tem jornal?

Atendente - Tem sim senh… moça.

Roberta, rindo - Traz pra mim, querido?

Atendente - Aqui está.

Roberta - É de hoje?

Atendente - É sim.
Pequena pausa para Roberta ler a capa do jornal.

Roberta - Vocês não têm medo de abrir, com essa invasão aqui do lado?

Atendente - Ocupação.

Roberta - Isso!

Atendente - Na realidade, é um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra.

Roberta - Ah, sim. Está aqui no jornal. É capa. O que será que eles querem?

Atendente - Terra pra plantar, pra morar...

Roberta - Engraçado.

Atendente - Por quê?

Roberta - Tanta terra ociosa nesse país e o povo vem na cidade invadir.

Atendente - Ocupar.

Roberta - Pois é.

Atendente - Eu também acho.

Roberta - E vocês não têm medo?

Atendente - Hã?

Roberta - De abrir.

Atendente - Não, senhora.

Roberta - Mas estão fechando mais cedo, não é?

Atendente - Sim.

Roberta - Sabia. Nunca se sabe que tipo de gente está aí nessa multidão.

Atendente - É verdade.

Roberta - Desculpa, estou te incomodando.

Atendente - Nada.

Roberta - É que eu não entendo, sabe. Eles ficam tanto tempo acampados aí, eles vivem de quê?

Atendente - Pois é.

Roberta - Você é estudante?

Atendente - Sou sim.

Roberta - E já tem o seu emprego, muito responsável.

Atendente - Tem necessidade.

Roberta - Se meus filhos tivessem esse tipo de obrigação, aprenderiam a valorizar mais as coisas que tem.

Atendente - Com certeza.

Roberta - Esses Sem-Terra…

Atendente - O quê?

Roberta - Povo batalhador.

Atendente - A senhora acha?

Roberta - Sim. Estão aí protestando, lutando pelos seus direitos. Está aqui no jornal: querem que o governo tome uma atitude… Mas não tem jeito.

Atendente - Por quê?

Roberta - Nesse mundo, meu filho, tem muita desigualdade.

Atendente - Sim.

Roberta - Não tem jeito.

Atendente - Talvez não…

Roberta - Só protestar não adianta. Mas invadir também já é demais!

Atendente - Ocupar.

Roberta - É, ocupar…

Eduardo - Bom dia!

Atendente - Bom dia, senhor.

Eduardo - Um cappuccino.

Atendente - Somente?

Eduardo - Só.

Atendente - Fique à vontade, senhor, eu levo na mesa.

Eduardo - Ok, posso sentar aqui?

Roberta - Claro! Bom dia.

Eduardo - Bom dia. Você trabalha no tribunal?

Roberta - Sim, no protocolo.

Eduardo - Bem que me era familiar. Prazer, Eduardo.

Roberta - Advogado?

Eduardo - Assessor.

Roberta - Tão novo! Prazer, Roberta.

Atendente - Seu cappuccino.

Eduardo - Ótimo. E os Sem-Terra, saem ou não saem?

Roberta - Diz o jornal que eles vão ficar até a revogação da liminar.

Eduardo - Nem que fiquem cem anos.

Roberta - Por quê?

Eduardo - As terras que eles invadiram são de um primo do desembargador Mauricélio. Família de políticos, uma máfia só...

Roberta (sem perceber) - Ocuparam.


Eduardo - Como?


Roberta - É assim que se fala, não é?


Eduardo - Não sei… Qual a diferença?


Atendente - É que ocupar é um exercício legítimo de direito, e invadir é uma violação de direitos.

Eduardo - Entendi. Mas o jornal diz que é invasão. De toda forma não vai dar em nada.

Roberta - Terrível.

Eduardo - Mas logo, logo a polícia tira eles daí. O mandado já está sendo expedido.


Roberta - Mas tá cheio de criança aí. Gente idosa…


Eduardo - A polícia não quer nem saber e o juiz não quer nem ver. Ele dá o canetaço e a coisa acontece. Eu não concordo com o que esses sem terra estão fazendo, mas também não acho que seja pra tanto…

Pausa.

Roberta - Já vou indo.

Eduardo - Eu vou com você.

Roberta - Tá. Tchau, menino!

Atendente - Tchau, moça.

Oito horas se passam.  Alexandre tira o uniforme e fecha o Café, pois o dono tem mandado fechar mais cedo. Checa os cadeados, pega a mochila, põe o boné vermelho e volta para o acampamento.
*
Esse texto eu escrevi faz um tempo, na forma de um diálogo, e agora estou querendo transformá-lo numa esquete de teatro. Fiz várias alterações, mas ainda sinto que algo está faltando. Não sei se ele serve para o teatro, mas é uma tentativa.