segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Bom Dia


O sorriso gratuito.

A gentileza.


Roberta - Bom dia.

Atendente - Bom dia.

Roberta - Me vê um café com leite, por favor.

Atendente - Sim senhora.

Roberta - E um pastel folhado. Tem de quê?

Atendente - Frango com catupiry, presunto e queijo…

Roberta - Presunto e queijo.

Atendente - É pra já.

Roberta - Aceita vale?

Atendente - Não…

Roberta - Cartão?

Atendente - Sim senhora.
Roberta -  Posso esperar na mesa? - aponta uma mesa.

Atendente - Sim senhora, eu levo para a senhora.

Roberta, sentando - Grata.


Enquanto o atendente vai buscar o café com leite, Roberta estica o percoço para observar o acampamento na frente do tribunal.

Atendente - Aqui está o pedido da senhora.

Roberta - Grata. Está adoçado?

Atendente - Não senhora, mas temos sachês nas mesas…

O atendente olha e percebe que não tem sachês na mesa de Roberta.

Atendente - Perdão, já volto.

Roberta - Nada.

Atendente - Aqui está: açúcar e adoçante. Trouxe também os guardanapos. Desculpe qualquer coisa, senhora...

Roberta - Imagina! E não me chame de senhora, estou muito nova para isso - ri.

Atendente - Ah, sim senhora.

Roberta - Mas!

Atendente - Desculpa, moça!

Roberta - Bem melhor.

Atendente - Mais alguma coisa?

Roberta - Tem jornal?

Atendente - Tem sim senh… moça.

Roberta, rindo - Traz pra mim, querido?

Atendente - Aqui está.

Roberta - É de hoje?

Atendente - É sim.
Pequena pausa para Roberta ler a capa do jornal.

Roberta - Vocês não têm medo de abrir, com essa invasão aqui do lado?

Atendente - Ocupação.

Roberta - Isso!

Atendente - Na realidade, é um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra.

Roberta - Ah, sim. Está aqui no jornal. É capa. O que será que eles querem?

Atendente - Terra pra plantar, pra morar...

Roberta - Engraçado.

Atendente - Por quê?

Roberta - Tanta terra ociosa nesse país e o povo vem na cidade invadir.

Atendente - Ocupar.

Roberta - Pois é.

Atendente - Eu também acho.

Roberta - E vocês não têm medo?

Atendente - Hã?

Roberta - De abrir.

Atendente - Não, senhora.

Roberta - Mas estão fechando mais cedo, não é?

Atendente - Sim.

Roberta - Sabia. Nunca se sabe que tipo de gente está aí nessa multidão.

Atendente - É verdade.

Roberta - Desculpa, estou te incomodando.

Atendente - Nada.

Roberta - É que eu não entendo, sabe. Eles ficam tanto tempo acampados aí, eles vivem de quê?

Atendente - Pois é.

Roberta - Você é estudante?

Atendente - Sou sim.

Roberta - E já tem o seu emprego, muito responsável.

Atendente - Tem necessidade.

Roberta - Se meus filhos tivessem esse tipo de obrigação, aprenderiam a valorizar mais as coisas que tem.

Atendente - Com certeza.

Roberta - Esses Sem-Terra…

Atendente - O quê?

Roberta - Povo batalhador.

Atendente - A senhora acha?

Roberta - Sim. Estão aí protestando, lutando pelos seus direitos. Está aqui no jornal: querem que o governo tome uma atitude… Mas não tem jeito.

Atendente - Por quê?

Roberta - Nesse mundo, meu filho, tem muita desigualdade.

Atendente - Sim.

Roberta - Não tem jeito.

Atendente - Talvez não…

Roberta - Só protestar não adianta. Mas invadir também já é demais!

Atendente - Ocupar.

Roberta - É, ocupar…

Eduardo - Bom dia!

Atendente - Bom dia, senhor.

Eduardo - Um cappuccino.

Atendente - Somente?

Eduardo - Só.

Atendente - Fique à vontade, senhor, eu levo na mesa.

Eduardo - Ok, posso sentar aqui?

Roberta - Claro! Bom dia.

Eduardo - Bom dia. Você trabalha no tribunal?

Roberta - Sim, no protocolo.

Eduardo - Bem que me era familiar. Prazer, Eduardo.

Roberta - Advogado?

Eduardo - Assessor.

Roberta - Tão novo! Prazer, Roberta.

Atendente - Seu cappuccino.

Eduardo - Ótimo. E os Sem-Terra, saem ou não saem?

Roberta - Diz o jornal que eles vão ficar até a revogação da liminar.

Eduardo - Nem que fiquem cem anos.

Roberta - Por quê?

Eduardo - As terras que eles invadiram são de um primo do desembargador Mauricélio. Família de políticos, uma máfia só...

Roberta (sem perceber) - Ocuparam.


Eduardo - Como?


Roberta - É assim que se fala, não é?


Eduardo - Não sei… Qual a diferença?


Atendente - É que ocupar é um exercício legítimo de direito, e invadir é uma violação de direitos.

Eduardo - Entendi. Mas o jornal diz que é invasão. De toda forma não vai dar em nada.

Roberta - Terrível.

Eduardo - Mas logo, logo a polícia tira eles daí. O mandado já está sendo expedido.


Roberta - Mas tá cheio de criança aí. Gente idosa…


Eduardo - A polícia não quer nem saber e o juiz não quer nem ver. Ele dá o canetaço e a coisa acontece. Eu não concordo com o que esses sem terra estão fazendo, mas também não acho que seja pra tanto…

Pausa.

Roberta - Já vou indo.

Eduardo - Eu vou com você.

Roberta - Tá. Tchau, menino!

Atendente - Tchau, moça.

Oito horas se passam.  Alexandre tira o uniforme e fecha o Café, pois o dono tem mandado fechar mais cedo. Checa os cadeados, pega a mochila, põe o boné vermelho e volta para o acampamento.
*
Esse texto eu escrevi faz um tempo, na forma de um diálogo, e agora estou querendo transformá-lo numa esquete de teatro. Fiz várias alterações, mas ainda sinto que algo está faltando. Não sei se ele serve para o teatro, mas é uma tentativa.

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